Por Especialista - publicado em 24/06/2010
Psicanálise e contemporaneidade
Especialista Minha Vida
Que coisa sombria é essa que provoca o desligamento do mundo e que retira o prazer na vida, fazendo tudo perder o sentido? Nem mesmo a família e amigos podem oferecer conforto para quem está nessa situação, que dirá ir ao cinema ou encontrar algo que inspire na televisão! O mal-estar vai além.
Não deixa dormir - pois nunca se sabe quando o sono vai vencer a vigília ? faz com que o futuro pouco importe, aumenta os momentos de raiva e contribui para o afastamento de pessoas queridas. De certa forma tem-se a sensação de que o sentimento é de inveja ao ver os outros implicados no seu dia a dia, empenhados para que tudo saia bem, envolvidos com o mundo e seus afazeres.
Algo em você se desfaz. Parece vigorar uma impossibilidade de enxergar, de reencontrar algo que foi fundamental e que deu sentido até então aos dias que se foram.
Algumas vezes é possível identificar quando isso começou. Às vezes é porque a pessoa se sentiu perdida sem a presença de alguém que muito queria. Ou então, ela se dá conta de uma forma incisiva do envelhecimento e percebe que o vigor e a saúde não correspondem mais ao de uns anos atrás. Anos que trazem muita saudade, uma nostalgia de algo que nunca mais será vivido e essa constatação é cortante.
"Algumas vezes é possível saber quando a depressão começou, porém nem toda dor psiquica pode ser identificada"
Porém, nem toda dor psíquica tem relação com um trauma específico pode identificada. Uma falha, uma negligência por parte dos pais pode levar a um sentimento crônico de abandono que nem sempre é possível pontuar, ou seja, nem sempre isso é tangível e passível de reconhecimento. E tudo isso naturalmente é muito singular. Há situações em que dentro de uma mesma família, criados pelos mesmos pais, filhos têm percepções completamente diferentes a respeito da infância do apoio ou desatenção.
O fato é que o efeito promovido por essa compressão, esse embotamento propaga uma desvitalização não apenas dos sentidos como também da linguagem. Ocorre uma espécie de empobrecimento verbal, em que não se sabe o que nasceu antes, a dificuldade em identificar o que se passa ou a capacidade de verbalização, que de uma hora para outra se torna desarticulada, incapaz de simplesmente descrever com acuidade a dor que transita ali.
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Nesse momento parece que a fala vem oca sem conteúdo, como se estivesse chancelando o nada de sentimento, o vácuo de desejo, o retraimento de toda a esperança. Não podemos esquecer que esse mal-estar vai aos poucos solapando os diversos terrenos em que se circula e consequentemente promovendo fracassos no desempenho de funções próprias do cotidiano, seja no trabalho, nos estudos, nas tarefas corriqueiras ou mais complexas.
Finalmente, a própria aparência sofre uma obliteração, como um apagamento de expressão, de brilho, da capacidade de apurar-se no cuidado estético, mas vai além, a tonalidade da voz torna-se sem vibração, sem nuances de exaltação ou de dor, uma expressão espalmada, sem relevo. Pode-se resumir a impressão do que se vive como um congelamento da condição de lembrar, expressar, desejar e projetar. Ou seja, é de se perguntar aonde foram parar as potencialidades da vida psíquica. E devolver essa capacidade à sensação, à dor, à alegria e à fala é necessariamente um processo que precisa de dois.
Juntos terapeuta e paciente constroem um espaço de relacionamento, onde então o inconsciente tem chance de atuar, expondo sua forma de construir as idéias, os medos, as angústias, onde a consciência passa dialogar com o desejo e respeitá-lo. Não se pode esquecer que hoje em dia é possível desmoronar com o peso das palavras desconsideradas, das condutas obrigatórias, de aparências que precisam ser preservadas a qualquer custo. No que concerne ao psiquismo estamos falando de um estado, não necessariamente de uma doença, assim, a melhora está muito atrelada a uma transformação existencial de um sujeito que sofre.